ANCESTRAIS DE SÃO PAULO
Mbicy ou Bartira - Isabel Dias
Butira-Flor

Os arautos reais trombeteavam pelas ruas e vielas de Lisboa, as alegrias del-Rei, o Venturoso, e liam a carta histórica de Pero Vaz Caminha, contando as belezas e a fecundidade da terra recém-descoberta por Cabral (Que não era Cabral, e sim Pedro Alvares Gouveia)

Os que ouviam iam logo levar a notícia de casa em casa, e em pouco toda a Lusitânia sabia e comentava o auspicioso acontecimento.

Os camponeses ficavam com inveja da terra ubérrima, na qual "em se plantando nela dará tudo". Sabiam que eram terras sem fim que êles saberiam aproveitar. E meditavam tristes, olhando as pequenas faixas de terra milenar e cansada, que tinham diante de si,terra por êles trabalhada com tanto sacrificio e amor!

Pelas suas cabeças cheias de sonhos e de cobiça passava a idéia: Ah! Si pudéssemos lá ir...

Os rapazes ficavam encantados com a noticia das moças morenas, de corpos de cor de cobre, talhados em curvas sedutoras,as quais andavam nuas e belas, "tão bem feita e tão redonda" Diz Caminha de umaa delas , "que a muitas mulheres de nossa terra vendo-lhes tais feições fizera vergonha".

Os poetas e os artistas ficavam enamorados ao pensar nas paisagens constituídas de montanhas e selvas entremeadas pelas curvas prateadas dos rios e ribeirões, nas florestas cerradas onde haviam animais estranhos e aves de linda plumagem; onde o pôr do sol tingia o céu e as águas com revérberos de ouro, rubis e ametistas...

Os banqueiros pensavam em uma certa madeira côr de braza, e em outras especiarias de que era farta a terra; nas minas de ouro que certamente existiam; na fonte inesgotável de riquezas de que era prolífera a terra morena e graciosa, que Caminha tanto gabava.

E perguntamos nós, seria por um dêsses motivos que de lá abalou João Ramalho, de maneira quase desconhecida, afrontando a imensidão dos mares, as tempestades os perigos, para se homiziar num cantinho desse paraíso por tantos sonhado e desejado?

Teria anseios de plantar? de colher? de eniquecer?...teria vontade de conhecer as belas moças côr de bronze? Desejaria deliciar os olhos e a alma com a paisagens deslumbrante e encantadora dêsse mundo longíncuo, ou teria ânseas de aventura de qualquer espécie, em buscas das quais se atira de olhos fechados? Ou uma desilusão terrível, uma dor, uma mágoa profunda, fizeram-no procurar êsses riscos como se fosse um suicídio? Ninguém sabe.

Quando teria êle deixado Portugal, a terra amada? os historiadores e pesquizadores estão em desacôrdo.Uns afirman que saiu de Portugal em 1510; outros afirmam que saíra de Portugal em 1512; outros mensionan o ano de 1515, e ainda outros atestam ter êle chegado aqui em 1498.

Não importa quando tenha saído de Portugal, e porque o fêz.Quem sabe mesmo se não teria sido impelido a essa aventura empurrado pelo medo de um castigo cometido por crime cometido? Não importa também. O fato certo e sabido é que os primeiros exploradores vieram encontra-lo já unido a mais linda índia da tribo, a filha do Cacique Tebiriça, falando e entendendo a linguagem dos índios brasileiroos da costa paulista.

Lá estava êle, feliz, se descivilizando à medida que procurava civilizar os bugres; desdobrando-se os filhos, os primeiros mamelucos que a linda espôsa Bartira, orfetava à terra vermelha de São Paulo. Bartira ou Butira (Machado de Oliveira, dá-lhe o nome de Butira), nome bonito que significa "flor". Ela mesma representa na sua figura gentil de índia guianaz, a primeira flor humana transformada na primeira mãe cristã de paulistas cristãos.

Filha do Cacique Tebiriça, foia escolhida por João Ramalho, êsse histórico português que foi Capitão entre os seus compatriotas e, segundo Pedro Taques, o linhagista, teve o fôro de Cavaleiro e foi mais tarde o fundador da vila de Santo André da Borba do Campo, foi Guarda-Mor e Alcaide-Mor da expedição contra os índios Tupiniquins que, conferados com outras tribos, assaltaram a nascente povoação de São Paulo de Piratininga. Êsse João Ramalho que esqueceu de deixar melhor gravada a sua história, e, como se viu um dia, naqueles primeiros anos do século XVI, aportado às terras do Brasil.

A linda Bartira, casou-se com êle pelo cerimonial do íncola; o casamento foi abençoado por Deus, que lhes floriu a vida dando-lhes muitos filhos( Tiveram oito filhos, diz Alfredo Ellis Jr. em "Primeiros Troncos Paulistas").

Quando Padre Manoel da Nobrega os conheceu, ambos avançados em anos e felizes, não se conformou com a ilegitimidade dessa união fora da igreja. Precisavam da bênção católica, e fazendo João Ramalho confessar, soube que o mesmo era casado em Portugal, perante o altar do senhor, e que ao partir para rumo desconhecido, deixara a espôsa, a quem jamais dera notícias suas.

O grande missionário jesuíta, para tranquilizar sua conciência e cumprir sua missão, regularizando aquêle casamento perante a Igreja, escreve uma longa carta datada de 31 de Agosto de 1553 aos jesuítas em Portugal pedindo à Companhia que investigue se é viva ou morta a espôsa de Ramalho, "QUE QUER SABER PARA PODER CASAR COM BARTIRA, E QUE HÁ MAIS DE 40 ANOS VIVE NO BRASIL E TEM DELA MUITOS FILHOS E FILHAS".

Nóbrega batizou-a de Isabel Dias; batizou-lhes os filhos e filhas,os primeiros cristãos de São Paulo, nascidos dessa mãe semi-bárbara e linda.

Boa mãe, boa espôsa, essa quase desconhecida Bartira, foi aos poucos adiquirindo hábitos civilizados; viu a chegada de Martin Afonso de Souza em 1532, viu mais tarde a chegada de Ana Pimentel, fidalga, rica, trazendo da Metrópole uma civilização palaciana; viu a fundação da Vila de Santo André da Borba do Campo, como já havia visto em 22 de Janeiro de 1532 a fundação de São Vicente no dia do santo homônimo; Viu Braz Cubas construindo a Casa do Porto de Santos; viu a ereção do Hospital de Misericórdia fundado por Ana Pimentel; viu Anchieta atraindo a si os curumins e cunhatains, para ensinar-lhes noções de coisas e a rezar e adorar Deus e ela também vai aprendendo muitas coisas.

Quando João Ramalho, aos 73 anos de idade, é convidado para Prefeito de São Vicente, ela lembra-lhe a idade, e êle serenamente, numa carta ao Governador, recusa o alto cargo por "sentir-se velho e cansado" e achar que o govêrno da cidade necessitava de uma pessoa moça, cheia de vida , de entusiasmo e de disposição para o trabalho.

Essa, é a mulher que deve descerrar as cortinas do pórtico da História da Mulher Paulista, pois que seu sangue vem passando de geração em geração pelas veias da gente de nossa terra, formando os bandeirantes que alargaram as fronteiras da Pátria, sangue que ainda hoje circula nas veias dos estadistas, dos agricultores, dos industriais, dos poetas, dos operários, e da juventude gloriosa de São Paulo!

Bartira -Flor, seu nome ficará nas paginas da História, como já está gravado no sangue heróico dos bandeirantes de tôdas as eras.

( Tirado do livro "A Mulher Paulista na História" - Adalzira Bittencourt - 1954 - Livros de Portugal )

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